O por que você não sabe matemática? 2/3 (Fatores pedagogicos)
Se no primeiro texto discutimos como o contexto socioeconômico influencia o aprendizado da Matemática, agora vamos abordar outro fator essencial: a formação e atuação dos professores. Afinal, quem ensina importa… e muito.
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é comum que a Matemática seja ensinada por pedagogos, e não por especialistas na área. Isso, por si só, não é um problema. Há professores incríveis, apaixonados por ensinar, que conseguem desenvolver habilidades matemáticas sólidas em seus alunos mesmo sem formação específica. Mas, infelizmente, essa não é a regra.
Muitos professores do ciclo de alfabetização e das séries iniciais enfrentam dificuldades com a própria Matemática. Essa insegurança é compreensível: a formação em Pedagogia, em geral, dedica poucas disciplinas à Matemática e quase nenhuma ao seu ensino prático. Resultado? Professores inseguros ensinam conteúdos de forma mecânica, sem conexão com o cotidiano, que desestimulam os alunos. Isso afeta diretamente a construção de uma base sólida — e sabemos o quanto a Matemática é uma ciência acumulativa: falhas no início se tornam grandes lacunas no futuro.
É importante entender que a Matemática é, antes de tudo, uma linguagem. Ela tem seus próprios símbolos, estruturas, regras e formas de expressão. Como qualquer outra língua, exige fluência para ser ensinada com clareza e criatividade. E isso vale especialmente para os professores: se o educador não domina essa linguagem, se não consegue “falar Matemática” com naturalidade e precisão, como poderá ensiná-la a alguém?
No Ensino Fundamental II e no Ensino Médio, o problema se agrava: muitas escolas contratam professores de outras áreas ou mesmo sem formação docente para suprir a falta de profissionais qualificados em Matemática. O Censo Escolar de 2023 aponta que mais de 40% dos professores de Matemática do país não possuem licenciatura na área. Essa ausência de formação impacta a qualidade do ensino, a capacidade de adaptação às dificuldades dos alunos e o uso de metodologias mais eficazes.
Como exigir que um aluno desenvolva pensamento lógico e capacidade de resolução de problemas se quem o ensina também não domina esses aspectos?
Pior ainda: esse ciclo se retroalimenta. Muitos alunos, desmotivados por experiências negativas com a Matemática, acabam rejeitando a área como carreira possível, ou a crença de que matemática não é para ele. E assim seguimos com a escassez de professores formados, especialmente nas regiões mais vulneráveis.
O aprendizado da Matemática, como qualquer processo de alfabetização, exige mediação qualificada. Exige sensibilidade para perceber onde o aluno trava. Exige criatividade para tornar o conteúdo significativo. Exige estudo, dedicação e apoio institucional para que os professores também aprendam continuamente, fatores que, entre outras coisas, são impactados diretamente pelo excesso da carga horaria de professores, baixa remuneração e falta de recursos didáticos.
A pergunta que fica é: se a sociedade reconhece a importância da Matemática, por que ainda negligenciamos tanto quem é responsável por ensiná-la?
Referências
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Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE). O cenário do ensino de matemática no Brasil: o que dizem os indicadores nacionais e internacionais. 2023. Disponível em: https://portaliede.org.br/wp-content/uploads/2023/12/Iede_O_cenario_do_ensino_matematica_no_Brasil.pdf
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Folha de S.Paulo. Professores de matemática enfrentam falta de recursos didáticos e financeiros durante licenciatura. 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2024/02/professores-de-matematica-enfrentam-falta-de-recursos-didaticos-e-financeiros-durante-licenciatura.shtml
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Revista Internacional de Pesquisa em Educação Matemática. Impactos de um programa de formação continuada em Matemática na prática docente em escolas públicas dos Anos Iniciais de Jaguariaíva. 2024. Disponível em: https://www.sbembrasil.org.br/periodicos/index.php/ripem/article/download/3631/2539/13375
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