O por que você não sabe matemática? 1/3 (Fatores socioeconomico)
Antes de mais nada (eu amo essa expressão), a ligação entre o ensino, especialmente o ensino de Matemática, e fatores socioeconômicos está amplamente descrita em pesquisas. O que trago aqui é apenas um pequeno recorte de um dos lados dessa questão, e deixo como incentivo o convite para você se aprofundar mais no assunto.
Outro adendo importante: eu não aprendi Matemática de forma sólida até entrar na faculdade. Como muitos no senso comum, achava que "Matemática era para poucos" ou que não teria utilidade prática no meu dia a dia. Afinal, quem nunca ouviu: "Onde vou usar a fórmula de Bhaskara na minha vida?". Quando fui forçado a aprender Matemática para passar nas disciplinas da faculdade, descobri que sim, é possível criar uma conexão positiva com ela. O jogo virou. Percebi que a Matemática está, de fato, em todo lugar, que as fórmulas não surgiram do nada, e que não é preciso ser um gênio para aprender. Assim como a alfabetização em Língua Portuguesa, aprender Matemática exige que diversos fatores estejam bem estruturados — fatores que vão além do ato de frequentar a escola ou copiar a tabuada.
Neste texto, que divido em três partes, destaco alguns dos aspectos que considero essenciais para o bom aprendizado da Matemática.
1. Nível socioeconômico
Uma análise baseada nos dados do PISA 2022 mostrou que apenas 3,1% dos estudantes brasileiros de baixo nível socioeconômico (NSE) alcançaram aprendizado adequado em Matemática — contra 33% dos alunos de alto NSE. Isso mostra que há, sim, uma diferença de oportunidade real entre estudantes de diferentes classes sociais.
Um artigo interessante aponta que a sensação de segurança no ambiente onde vive o aluno não possui correlação direta com o desempenho escolar, mas que a atitude dos estudantes é um fator de destaque. À primeira vista, isso pode parecer um argumento de que "basta querer", como se o esforço pessoal fosse o único fator determinante. No entanto, uma leitura mais cuidadosa do estudo mostra que a escolaridade dos pais tem forte influência no desempenho dos filhos — e isso está diretamente ligado a melhor condição social e qualidade de vida familiar. Ou seja, mérito pessoal existe, mas ele é profundamente condicionado por fatores sociais.
2. Nutrição e sono
Ainda pensando em fatores socioeconômicos, a alimentação e o sono impactam diretamente o desempenho escolar. Estudos mostram que deficiências nutricionais (como falta de ferro, zinco e vitaminas) afetam o desenvolvimento cognitivo, resultando em dificuldade de aprendizado e maior taxa de repetência. Crianças de famílias de baixa renda são mais propensas à insegurança alimentar, o que compromete o rendimento escolar.
O sono, por sua vez, tem papel crucial na consolidação da memória e na capacidade de concentração. Crianças e adolescentes que dormem mal ou pouco tendem a apresentar irritabilidade, distração e menor desempenho escolar. A privação de sono é mais comum em contextos socioeconômicos desfavoráveis, onde fatores como trabalho precoce e ambientes familiares instáveis são mais frequentes.
3. Realidade do estudante e o direito de aprender
Todos já tivemos dias ruins após uma noite mal dormida ou em momentos de fome, nos quais nossa produtividade caiu drasticamente. Talvez, então, você nunca tenha se conectado com a Matemática não por falta de "dom", mas porque sua vida impôs obstáculos que dificultaram o aprendizado de algo que exige dedicação.
Ao longo da minha experiência com alunos de escolas públicas e privadas, encontrei muitas crianças com problemas familiares sérios: pais agressivos, ausentes, deprimidos, ambientes instáveis, amadurecimento precoce e dificuldades financeiras. Esse pequeno recorte já bastaria para justificar, em parte, o baixo desempenho de muitos alunos — não por falta de capacidade, mas porque não lhes foi permitido aprender.
Referências
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Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE). Apenas 3% dos estudantes brasileiros de baixo nível socioeconômico têm aprendizado adequado em matemática. 2023. Disponível em: https://portaliede.org.br/estudo/apenas-3-dos-estudantes-brasileiros-de-baixo-nivel-socioeconomico-tem-aprendizado-adequado-em-matematica-revela-tabulacao-do-iede-com-base-nos-dados-do-pisa-2022/
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Alvarenga, M. S., Nossa, S. N., Figueiredo, S. O., & Pavani, E. C. R. (2024). A Influência das Atitudes dos Estudantes em Condições Socioeconômicas Adversas no Desempenho em Matemática. Bolema: Boletim de Educação Matemática, 38, e230168. Disponível em: https://www.scielo.br/j/bolema/a/65DHLZxmj3Jp3BMYykHCcCg
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Souza, V. da S. et al. (2024). Nutrição, socioeconomia e rendimento escolar em crianças e adolescentes: uma revisão integrativa. Observatório da Economia Latino-Americana, 22(11), e7646. https://doi.org/10.55905/oelv22n11-055
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Instituto do Sono. Sono e Aprendizagem: qual é a relação?. Disponível em: https://institutodosono.com/artigos-noticias/sono-e-aprendizagem-relacao/
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